A história da Qualtrics começou no mesmo lugar que muitas startups e tech companies por aí: em uma garagem. A diferença é que a garagem em questão estava a umas boas centenas de milhas do Vale do Silício, no estado da colmeia, Utah. Foi ali, dividindo espaço com o carro da família, que os irmãos Smith criaram uma plataforma de pesquisas capaz de acompanhar e analisar o comportamento de consumidores em tempo real. A princípio, a ideia era criar um sistema para ajudar acadêmicos e pesquisadores na elaboração de suas teses. Afinal, o pai de Ryan e Jared Smith era professor universitário e sabia de um ou dois colegas que poderiam se beneficiar um bocado com uma tecnologia assim. Dezesseis anos depois, tanto os irmãos quanto o patriarca se tornaram os novos bilionários do mundo tech. A SAP anunciou ontem que estava adquirindo a Qualtrics, nesta que foi a segunda maior aquisição de uma empresa de SaaS, depois da compra da Netsuite pela Oracle por USD 9,3 bilhões em 2016.
Frankly Mr. Shreier
Antes que você pergunte, o valor da compra foi USD 8 bilhões. Se pararmos para pensar, a quantia parece uma bolada para um software de pesquisas. Primeiro, porque a Qualtrics havia sido avaliada em USD 2,5 bilhões em sua última rodada de investimentos. Depois: quem se lembra de quando o Survey Monkey fez IPO e foi avaliado em USD 1,3 bilhão? Acontece que o diferencial da startup de Utah não está no software de pesquisas em si, mas na montanha de ferramentas e relatórios que oferece depois do questionário. É o que o sócio do Sequoia Capital Bryan Schreier chama de “experience management”: a análise de todos os aspectos da experiência do cliente para gerar tanto fidelidade quanto referências. Em tempos em que qualquer um pode marcar a operadora de telefonia para reclamar do técnico que nunca chega (aproveitando: alô, NET), uma tecnologia assim, ao menos em tese, vale ouro.
Such a heavenly way to buy
Agora, do lado da SAP, essa empresa fundada nos anos 1970 por cinco ex-funcionários da IBM, qual a importância da aquisição? Para começar, vale lembrar que estamos falando da companhia que, na década de 1990, espalhou a adoção do termo ERP (Enterprise Resource Planning), para descrever um software que gerenciava quase todos os ativos de uma empresa, permitindo relatórios em tempo real sobre a operação. Daí veio a internet e mudou tudo. De repente, se tornou possível ter uma visão não só do que estava acontecendo com um negócio, mas também com quem. Surgiam, então, os sistemas de CRM, viabilizando que a empresa reunisse dados de contatos, clientes e relacionamentos externos em um software centralizado. Então, chegamos à atual era. Ano 2018, e o objetivo final de qualquer negócio, o cliente, está tão conectado quanto qualquer companhia.
The SaaS with the thorn in his side
Como Ben Thomson, do Stratechery, explica: “Para ganhar na Economia da Experiência, é preciso ter as duas peças de um quebra-cabeça. A SAP tem o primeiro: Dados Operacionais dos sistemas que administram as empresas. O portfólio de aplicações vai de ponta a ponta, da cadeia de demanda à de suprimentos. A segunda peça do quebra-cabeça é de propriedade da Qualtrics". Em outras palavras, o que a SAP tem é O-data, ou Operational Data, enquanto a startup produz Experience Data, ou X-data. Meaning: feedback em tempo real de como estão reparando a companhia em questão, desde o cliente até o funcionário. Em uma call, o CEO da SAP, Bill McDermott, comparou a nova aquisição à compra do Instagram pelo Facebook.
Some startups are bigger than others
Veja só, ter seu início no mundo acadêmico foi essencial para a Qualtrics se tornar a empresa que é hoje. É que, uma vez que se prontificou “a resolver os problemas mais complexos encontrados pelos pesquisadores acadêmicos mais avançados”, o negócio precisou trabalhar em cima de métodos analíticos dos mais rigorosos. Não só isso, como ainda teve de construir uma plataforma suficientemente fácil de usar para que a galera da universidade se engajasse no rolê. Indo pelo caminho menos óbvio, a empresa conquistou milhões de clientes na Academia, os quais ajudaram a desenvolver novos usos para a plataforma.
Let me get what I wan
Existe outro motivo para a SAP ter desembolsado USD 8 bi pela startup. É que a Qualtrics estava prestes a fazer IPO, no qual pretendia levantar aproximadamente USD 500 milhões. O plano era vender mais de 20 milhões de ações, a um preço entre USD 18 e USD 21 cada, o que levaria o valuation do negócio a algo entre USD 3,9 bi e USD 4,5 bi. Daí McBermott pegou o telefone e fez uma oferta que seria muito difícil de os founders recusarem. Muito difícil, mas não impossível. É que se existe algo pelo qual os irmãos Smith são conhecidos no mundo de venture capital, é por terem segurado o máximo as pontas sozinhos, sem recorrer a investimentos. Isso até 2012, quando finalmente toparam uma rodada de USD 70 milhões, com participação de Accel Partners e Sequoia Capital. Hoje, a quantia levantada por eles soma USD 400 milhões. Recentemente, inclusive, Ryan teria negado uma oferta de USD 500 milhões pela Qualtrics. O fato é curioso porque: o salário do cara, durante ano passado inteiro, foi de menos de USD 10 mil por mês — algo beeeem incomum para o CEO de um negócio que gerou USD 105 milhões em receita no Q3. No final, esperar foi bom para os Smiths. Donos de 87,6% do negócio, colocaram no bolso uns bilhõezinhos e ainda vão continuar no comando da empresa que fundaram. Nada mal para a família de Utah.
Fonte: The Brief