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Uma IA no museu


Quem vê Portrait of Edmond Belamy ser exibido numa casa de leilão tão respeitada quanto a Christie’s pode passar um bom tempo tentando identificar qual artista do século XVIII teria pintado tal obra. Mas vai sair sem resposta. O quadro, que será leiloado por um valor entre USD 7 mil e USD 10 mil, foi desenvolvido por uma inteligência artificial criada pela Obvious, startup comandada por três franceses munidos com tecnologia.  Pierre Fautrel, Hugo Caselles-Dupré e Gauthier Vernier foram os responsáveis por criar a IA que gerou a imagem de um senhor trajado de gala, com as mãos no bolso e ares de Neoclassicismo. O plano deles é nobre. Expandir e democratizar a IA pelo mundo das artes. Mas tem um problema: a comunidade de artistas programadores (sim, tem uma comunidade) não acha a intenção deles tão bonita assim.

O nascimento de GAN

Atualmente, a maioria dos trabalhos artísticos feitos por inteligências artificiais usa uma linguagem de programação conhecida como Generative Adversarial Network (GAN). Ela foi criada por Ian Goodfellowm, um pesquisador que, hoje, trabalha na Google. A ideia básica é fazer com que duas inteligências compitam uma com a outra para desenvolver um trabalho melhor. No caso, um quadro. Enquanto uma rede analisa diversas pinturas coletadas de uma base de dados e, depois, gera cópias do que viu, outra avalia todos os quadros e tenta identificar qual foi feito pela máquina e qual foi pintado por um humano mesmo. E elas ficam nesse jogo até que a rede 1 apresente cópias que enganem a rede 2. Nesse processo todo, as redes programadas em GAN acabaram criando uma estética muito diferente dos quadros originais, apelidada no meio de GANism: são pinturas sem bordas muito definidas e com um pé no surrealismo.

 Programador vitruviano

Dentro desse grupo ainda bem nichado, Robbie Barrat — baita nome de pintor, diga-se de passagem — é um dos destaques. Aos 19 anos, o estudante de pesquisa em IA é um entusiasta do GAN. Ele costuma publicar em seu perfil no Twitter diversas pinturas criadas por inteligências que configurou. Além disso, Barrat compartilha boa parte dos códigos-fonte no GitHub para que outros interessados também possam experimentar a linguagem. Foi o caso da Obvious.

Noite de tretas

Há muita gente que aponta o dedo, dizendo que é óbvio, se é que vocês me entendem, que a startup está se aproveitando do trabalho do jovem Barrat. Pesquisadores de IA chegaram a baixar os códigos do estudante e compará-los com as obras do trio. O resultado final é uma série de imagens bastante próximas de Portrait of Edmond Belamy. Some a isso o fato de que, até há pouco tempo, o site da companhia nem informava que utilizava a “obra” de Barrat em suas criações e temos um clássico caso de apropriação artística? Bem, é isso o que pensa Jason Bailey, especialista em arte digital e criador do Artnome. Segundo Bailey, o leilão só trouxe mais atenção para uma prática corriqueira. Na verdade, no mundo digital, mudar só uma coisinha e vender algo que já estava pronto é ainda mais fácil do que nos tempos de Da Vinci, Van Gogh e por aí vai. Valeria, aqui, a máxima de Picasso (ou de Clarice Lispector, já que foi difícil achar a autoria da quote): bons artistas copiam, grandes artistas roubam?

A última polêmica

A autoria do quadro vendido também é outro ponto a se pensar. O trio utiliza o lema “criado por uma inteligência artificial” como principal apelo comercial. Por outro lado, há especialistas em machine learning que questionam até que ponto há qualquer centelha de criatividade nesses algoritmos. Enquanto tal grau de autonomia não chega ao catálogo da Christie’s, fica uma questão: qual o crédito que um programador deveria ter sobre uma obra gerada por computador?

Não para por aí. Quando colocamos tecnologia dentro de um meio tão tradicional quanto o artístico, vem o questionamento: o que faz da arte, arte? Daí para a frente tudo só fica mais confuso. Quem somos nós? Para onde vamos? De onde viemos? Nada mais é real. A gente nem consegue desenhar palitinho.

Fonte: The Brief

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