Fundadores e principais acionistas de empresas brasileiras comprometeram-se a injetar até R$ 19,3 bilhões (cerca de US$ 4 bilhões) em capital para ajudá-las até agora neste ano, de acordo com dados compilados. Os resgates, que chegaram via ofertas de ações e transações imobiliárias, devem continuar nos próximos meses.
“Provavelmente veremos mais e mais negócios ancorados por acionistas controladores ou relevantes”, disse Roberto Zarour, sócio e advogado de reestruturação do Lefosse Advogados. As injeções de capital, acrescentou, nem sempre são uma decisão voluntária de fundadores, mas uma exigência dos credores. Americanas decide trocar PwC por BDO como auditora após suspeita de fraude
As taxas de juros no nível mais alto em seis anos, a restrição ao crédito que se seguiu ao colapso da varejista Americanas no começo do ano e o aperto monetário nos Estados Unidos e na Europa tornaram mais difícil contrair empréstimos no país e no exterior.
Como resultado, o montante de títulos corporativos do país em dólar negociados em níveis estressados (problemáticos) subiu para US$ 12 bilhões, alta de 26% desde o início do ano, de acordo com dados compilados.
Nos últimos meses, pelo menos meia dúzia de acionistas-chave já interveio nas companhias.
Guilherme Paulus, que fundou a maior rede de agências de viagens do país, a CVC (CVCB3), cinco décadas atrás, mas havia se desfeito de sua participação nos últimos anos, subscreveu parte da oferta pública de ações (follow-on) da companhia que foi precificada na quinta-feira passada (22). A transação fazia parte de um acordo com detentores de títulos locais em uma angustiada reestruturação.
A CVC contratou o banco de investimentos BR Partners no início deste ano para assessorá-la nas conversas para a reestruturação. Espera-se que o dinheiro levantado na oferta de ações reforce o capital de giro da empresa e também pague o principal pagamento de algumas de suas notas.
Outro exemplo são os bilionários por trás da Americanas (AMER3): Jorge Paulo Lemann, Carlos Alberto Sicupira e Marcel Telles. O trio, que investe na varejista desde o década de 1980 e a controlou até dois anos atrás, negocia injetar até R$ 12 bilhões na empresa até 2027 para mantê-la em operação depois que a suspeita de uma grande fraude contábil a levou para a recuperação judicial no início deste ano.
Desde o início das negociações, os credores exigiram um capital injeção dos três sócios, embora a quantidade de recursos tenha sido um ponto de atrito - e continua a ser.
Famílias bilionárias que fundaram a Hapvida (HAPV3) e a Dasa (DASA3), duas das maiores empresas do setor de saúde do país, também intervieram no início deste ano em meio à preocupação com sua situação financeira. A família Pinheiro, por trás da Hapvida, não apenas participou de uma oferta de ações mas também anunciou uma acordo para comprar e arrendar dez propriedades imobiliárias da operadora de saúde.
As ações da Hapvida subiram mais de 80% desde o anúncio do apoio da família no final de março, recuperando-se de um recorde de baixa. Os spreads dos títulos locais em relação à taxa básica de juros DI tiveram um estreitamento médio de 100 pontos base até o início de junho, de acordo com o Bradesco BBI.
“As operações financeiras destinadas a gerar liquidez equilibraram a estrutura de capital da empresa e refletem a redução da alavancagem financeira”, escreveu o analista Altair Pereira, do Bradesco BBI, em relatório de 23 de junho, acrescentando que ele espera que os spreads de crédito do Hapvida diminuam ainda mais.
No início desta semana, a empresa varejista de móveis e decoração Tok&Stok - que não é listada em bolsa - anunciou que recebeu uma injeção de R$ 100 milhões liderada pela empresa de private equity Carlyle Group, seu acionista controlador, em meio a uma reestruturação da dívida.
A Tok&Stok tem enfrentado pressão de fluxo de caixa nos últimos anos e fechou 17 de 68 lojas que possuía.
No caso da BRF (BRFS3), a Marfrig (MRFG3) - que detém uma participação de 33% na gigante de criação e processamento de frango - anunciou em parceria com o fundo estatal saudita Salic que comprará até R$ 4,5 bilhões em ações em uma oferta pública. A transação está pendente de aprovação de acionistas.