A semana começou com revelações bombásticas sobre a chegada, ascensão e continuidade das operações da Uber no mundo. No caso, as informações vêm de mais de 124 mil arquivos de e-mails e mensagens, obtidos pelo The Guardian e compartilhados com equipes do Consórcio Internacional de Jornalistas Investigativos (ICIJ), que trazem à tona como a companhia “desrespeitou leis, enganou a polícia, explorou a violência contra motoristas e pressionou secretamente governos durante sua expansão global agressiva”.
Os docs se referem ao período de 5 anos, no qual a Uber foi comandada pelo seu cofundador Travis Kalanick. Mas, antes de mergulharmos nessa história, vamos relembrar que o executivo deixou a linha de frente da empresa em 2017, sendo classificado como “o CEO mais odiado do mundo”. O motivo? Acusações de assédio sexual e uma cultura extremamente tóxica.
Vocês que lutem
Segundo o The Guardian, os próprios motoristas do Uber foram usados como instrumento para influenciar a opinião pública a respeito do app. Em 2015, por exemplo, um grupo de parceiros da Holanda foi incentivado a agir contra um protesto de taxistas, situação que acabou em conflitos violentos, conforme um e-mail enviado pelo gerente-geral da companhia na Bélgica, Niek Van Leeuwen.
“Excelente trabalho. Isso é exatamente o que queríamos e o momento é perfeito”, elogiou Mark MacGann, chefe de políticas públicas da Uber para Europa, Oriente Médio e África, em uma mensagem dias depois do ocorrido.
Algo similar rolou em 2016, quando vários motoristas da França foram enviados a um protesto de taxistas, contrários ao serviço de passeio (é claro). Em algumas conversas sobre o assunto, o ex-CEO disse que valeria a pena colocá-los em risco, pois todo esse ~esforço~ iria garantir o sucesso da companhia.
Vou de Uber, você sabe
Conforme o artigo do The Guardian, esse tipo de conduta era compartilhado e celebrado sem qualquer problema pelos executivos da Uber. Aliás, como falamos lá no começo desta seção, lobistas e políticos fizeram acordos para que a empresa se livrasse de entraves no mercado de passeios.
Arquivos mostram, por exemplo, o fácil acesso do ex-CEO da Uber a Emmanuel Macron (o atual presidente da França) e sua equipe, quando ele ainda era ministro da economia, o que teria ampliado a circulação do serviço no país.
Joe Biden, quando era vice-presidente dos EUA, é também mencionado nas conversas: após uma reunião com Kalanick, ele teria mudado seu discurso no Fórum Econômico Mundial de 2016 para favorecer o app. O Uber dá “liberdade [para as pessoas] trabalharem quantas horas quiserem, administrar suas próprias vidas como quiserem”, disse o político no texto.
Deboche pronto
Já o chanceler alemão Olaf Scholz, na época prefeito de Hamburgo, teria se oposto ao modelo de negócios do app na região, exigindo o pagamento de salário-mínimo aos motoristas para o seu funcionamento. Por conta disso, em troca de mensagens, os executivos da empresa chamaram Scholz de “um verdadeiro comediante”.
Outro caso envolvendo a Uber rolou em Amsterdã, quando uma equipe de órgãos reguladores entrou no escritório da companhia para uma inspeção, em abril de 2015. Paralelamente à visita, uma colaboradora do serviço de passeio, chamada Ligea Wells, enviou uma mensagem ao seu chefe informando que a tela de seu PC tinha misteriosamente desligado.
Porém, para os seus superiores não havia qualquer novidade na queda, pois Travis Kalanick tinha ordenado o corte no sistema de computadores e dispositivos no local.
Quem não deve, não tem
Conforme os registros, a operação foi apelidada de “Ripley” pelos executivos da Uber, e teria rolado em pelo menos 12 vezes ao longo de 2 anos em algumas partes do mundo — inclusive sob o conhecimento da equipe jurídica da companhia, sediada em São Francisco, nos EUA.
Conforme o The Washington Post, naqueles anos as visitinhas de órgãos governamentais passaram a acontecer com frequência e, para se livrar de multas e acusações, a empresa criou até um manual com “orientações” aos colaboradores.
E, como dá para sacar, a ideia era impedir a visualização de dados internos pelas autoridades, que investigavam, entre outros assuntos, a esmagadora influência da Uber no mercado de táxis — sua avaliação estava na casa dos USD 50 bilhões na época.
Valeu a pena, ê ê
Esse tipo de conduta da empresa não é totalmente desconhecido do público: em 2018, a Bloomberg News tinha revelado suas artimanhas para driblar os órgãos. A diferença, agora, está no detalhamento dos fatos.
Em resposta ao The Guardian, um porta-voz da Uber disse ter reconhecido que os ~erros~ sob o comando de Kalanick “culminaram em um dos mais infames acerto de contas da história da América corporativa”. A empresa ainda reforçou que tudo mudou desde que Dara Khosrowshahi assumiu o cargo de CEO, em 2017.
Já o porta-voz de Kalanick negou as acusações, e argumentou que os avanços da empresa foram “liderados por mais de uma centena de líderes em dezenas de países ao redor do mundo e em todos os momentos sob supervisão direta e com total aprovação dos robustos grupos jurídicos, políticos e de conformidade da Uber”. É muito fácil cometer crimes quando se é privilegiado, não é mesmo?
Fonte: The Brief