O trabalho em torno da inteligência artificial nos dias de hoje se baseia em redes neurais — sistemas matemáticos modelados com base no funcionamento dos neurônios. Acontece que esse tipo de pesquisa tem uma limitação bastante clara: ainda não existe uma teoria completa e aceita por todos para explicar o cérebro. Para muita gente, o órgão que denominou a si próprio como o mais importante do corpo humano é um grande mistério. Assim, nossas células cinzentas, como diria Monsieur Hercule Poirot, não podem ser replicadas para, por exemplo, darem origem a uma I.A. digna dos nossos sonhos mais selvagens. Só que isso pode mudar radicalmente, caso Jeff Hawkins consiga provar que está certo. Depois de passar a última década estudando os mistérios da mente humana, o veterano do Vale do Silício e sua startup, Numenta, têm dois objetivos: 1) explicar como nossas caixolas funcionam e 2) realizar a engenharia reversa delas. Se ele conseguir atingir essas metas, vai revolucionar o estudo da inteligência artificial.
Mente brilhante (e autodidata)
O negócio é que Hawkins é engenheiro. Ele se formou em engenharia elétrica pela Universidade de Cornell no final dos anos 1970 e trabalhou para tech companies durante um bocado de tempo. O que fez o cara decidir que desvendar os segredos do cérebro seria o trabalho de sua vida foi um artigo da Scientific American. Na publicação, o ganhador do Nobel, Francis Crick, premiado por descobrir a estrutura do DNA, usava uma teoria mais abrangente para explicar o que rolava na cabeça das pessoas. Na época, Hawkins estava trampando na Intel e até sugeriu que a companhia criasse um laboratório de neurociência, mas a ideia foi rejeitada. Então, aplicou para um doutorado na Universidade da Califórnia, Berkeley, só que (adivinha) sua tese também foi negada. Mas isso não foi o suficiente para que o sujeito jogasse a toalha e desistisse de seu grande plano. Abraçou o título de outcast e, hoje, o engenheiro contesta acadêmicos e suas pesquisas, acreditando que tem uma baita tese nas mãos.
Gênio indomável
Voltando um pouco no tempo, para explicar direito. Em 1992, Hawkins fundou a Palm Computing. Veja bem, estamos falando da empresa que criou o primeiro computador de mão para as massas, bem antes de a Apple aparecer com o iPhone (caso você nunca tenha ouvido falar no Palm Top, clique aqui. Seu jovem). Naquela época, o engenheiro já tinha decidido que, quando desse, largaria o trabalho na Palm para voltar aos estudos do cérebro. Isso, de fato, aconteceu no começo dos anos 2000, quando ele fundou seu próprio laboratório de neurociência. O problema foi que ele não conseguiu convencer uma leva cientistas a se juntarem aos seus estudos, porque nem todos concordavam em focar a pesquisa na tese que ele tinha. Veja bem, o que Hawkins analisa são as chamadas “colunas corticais”. Tratam-se de uma parte essencial do nosso neocortex, aquela região do cérebro que cuida de visão, audição, fala e raciocínio. Não há um consenso entre os cientistas sobre como essa área funciona, mas a tese do engenheiro é a seguinte: essas colunas lidam com as tarefas de nosso dia a dia da mesma maneira sempre. Tipo um algoritmo de computador. Tudo o que seria preciso fazer é descobrir que algoritmo é esse.
A Numenta surgiu a partir daí, com investimento quase que todo vindo do bolso de Hawkins. Ao lado da ex-chief executive da Palm, Donna Dubinsky, e do pesquisador em inteligência artificial, Dilep George, ele se dedica a desvendar o tal algoritmo. Fun fact: boa parte do time é formada por autodidatas no estudo do cérebro, assim como o engenheiro. Um verdadeiro outcast brain club.
Brilho eterno de uma mente sem explicação
Com tantas credenciais e um plano ambicioso, o veterano conseguiu contato com a DeepMind, o laboratório para pesquisas em inteligência artificial da Alphabet (sim, a empresa-mãe do Google). A ideia era que, em abril deste ano, ele fizesse uma apresentação para os cientistas de lá sobre sua pesquisa. Acontece que o trabalho do sujeito tem uma abordagem tão complexa que os neurocientistas da DM cancelaram o encontro, argumentando que seus pesquisadores, muito provavelmente, ficariam boiando durante a palestra. Não é a gente que diz isso, mas Demis Hassabis, um dos fundadores da DeepMind. Logo, muito antes de encontrar o algoritmo do cérebro, o primeiro passo, no caso, seria fazer com que alguém entenda de que raios o senhor Hawkins está falando.
Jogo da imitação
A abordagem proposta pela Numenta está em entender como funciona a inteligência humana por completo para, então, criar máquinas que funcionem de forma igual. Segundo o pesquisador, não há atalhos para esse tipo de tarefa, mesmo que o objetivo final não seja reproduzir a mente humana por completo. Caso a companhia e seu quixotesco criador estejam certos, dá para imaginar um verdadeiro tiro na Lua no desenvolvimento de carros autônomos, pesquisa de doenças e assistentes virtuais. Na realidade, as possibilidades são limitadas apenas pela criatividade dos cientistas e empresas.
Fonte: The Brief